quinta-feira, 20 de março de 2014

Diário - Dia 04/04/2013 - Furos

Não sei quando ou por quanto tempo dormi, mas a estilingada da minha mandíbula quebrada e o Sol na fuça me fizeram acordar. Estava sentado no sofá de napa que parecia pipocar a cada sacolejada da minha bunda. Eita barulhada da porra. Aquela droga colocada num quarto onde, teoricamente, só tinha convalescente era perfeito. O doente ficava doido com a zueira que o visitante fazia no sofá do capeta, lascava um trem pesado na cabeça do infeliz (normalmente familiar) e agora eram dois internados, todo mundo contente enfiando dinheiro na conta (pra não dizer outro lugar) do hospital.

Minha cabeça pendia pra esquerda e o fio de baba que desceu quase solidificou. Apenas arregalei os olhos pra ver as horas no relógio e vi que não tinha hibernado nem por 2. Tentei colocar a cabeça reta mas o pescoço gritou e me mandou ficar naquela posição mesmo. Não protestei com ele e fiquei na minha… torto.

Fechei a boca e senti aquela baba fria que descia agora da bochecha esquerda até o ombro, tentei sugar a gosma de volta, mas não rendeu. Meti a mãozona mesmo e a meleca ficou colada como se fosse gel. Que droga eu tinha tomado na noite passada? Tinha tempo que enão me pirulitava pra perto dessas merdas…

Como todo mundo sabe, a toalha do homem é a sua bermuda. Então foi lá mesmo que eu limpei a mão. Tive que esfregar pra burro até a coisa toda sair, mas saiu. O inferno é que no meio do processo entrou uma enfermeira no quarto. Da uma bisoiada na cena:

Você entra num quarto e vê uma criatura toda torta, de boca aberta, gemendo e esfregando as duas mãos na bermuda (inclusive na parte da frente) alucinadamente, o que você pensa?

a) o nobre senhor está com torcicolo e com a mão repleta de saliva, e está tentando limpar na bermuda;

b) um infeliz com retardo mental escapou do hospício, entrou no quarto e está se coçando todo;

c) um depravado invadiu o quarto e está batendo uma pra mulher que está dormindo na cama ao lado.

Advinha qual a infeliz escolheu?

“Guardas!! Guardas!! Tem outro punheteiro aqui. Corre!”

“Não doida! Que punheteiro? Eu tô coçando a mão.” Tentei eu convencer a enfermeira, caminhando com o pescoço torto e esticando os braços pra cima dela. Merda.

“Segurança, ele tá querendo me estrupar!” Puta merda, como se eu fosse “estrupar” aquilo. A louca, metida na sua roupa ofuscantemente branca, devia pesar uns 120kg de pura feiura e mal-encaramento. Só faltava a “berruga” pra virar uma bruxa. Quando ela virou pra chamar a segurança de novo, vi na sua nuca, meio escondido pelo rabo-de-cavalo, uma chapoca de uma “berruga” preta e nojenta… pronto! Não faltava mais nada, era bruxa mesmo.

"Calma dona! Você entendeu err..." A mão gigante do segurança envolveu meu pescoço empenado e numa xuxada só deu uma indireitada joinha no bicho. Lógico que eu gritei no meio da lanternagem forçada.

"Por favor senhor, gostaria, por obséquio, de pedir a humilde gentileza de Vossa Senhoria de parar de se masturbar no interior dos quartos dos pacientes. Esta é uma conduta rude e inadmissível neste estabelecimento de saúde." Educado o desgraçado... educado e forte.

"Grasp! Rorc, quis porrrrrrr!" Tentei dizer com educação.

"Perdão senhor! Não consegui entender direito." Outro apertão. Não dava pra ver, mas pelo tamanho da mão do maldito, tenho certeza que os dedos se tocaram no meio da minha nuca. Analisando friamente, o segurança deveria ter uns 2,56m e pesar uns 325kg. Era um alemãozão, mas o alvejante que o deixou tão branco assim tinha que ser nacional. A pele não tinha uma manchinha sequer.

"Rrrrrrorrrc!" Dei dois tapinhas de leve na mão do sujeito, para tentar falar um pouco, explicar a situação e evitar uma morte dolorosa.

"Ah, perdão senhor! Apertei muito o seu pescoço? Não foi minha intenção!" Soltou meu pescoço e eu percebi que a C3 e C4 não estavam no local adequado. Mas o pescoço parou de doer. Olhei meus pés e mãos e percebi que mantinha os movimentos. Saí no lucro.

Depois de tossir um pouco e quase cuspir o pulmão, emendei: "Eu não fiz nada. Sou marido da paciente e só estava tentando limpar a mão."

"Isso é verdade senhora?" Interrogou o marmanjo.

"É sim. Ele é meu marido." Mandou a Rafa de bate-pronto.

"Hã? Rafa, você tá acordada?"

"O que você acha?"

"Hã... daqui parece que sim, mas tem quanto tempo?"

"Uns 15 minutos."

"Porra! E porque você não explicou tudo de início?"

"Sei lá... deu vontade de ver o que você ia fazer."

"O quê? A única coisa que eu podia fazer era morrer. E isso não ia demorar muito."

"Senhora, a senhora confirma que o meliante é seu marido e que não estava se masturbando?"

"Confirmo o meu marido, mas não garanto que ele não estava se masturbando."

"Eita! O que eu fiz para você?"

"Então senhor, peço perdão pelo pescoço."

"Tudo bem cara. Relaxa." Pra falar a verdade o esmagamento até tinha sido bom (tirando o fato que quase me matou), pelo menos o negócio tava direito agora.

"Perdão... fica aqui no quarto. Ele pode ser marido, mas não confio no sujeito. Ele pode querer me atacar ou bater uma na minha frente." A bruxa ordenou para o recém nomeado segurança.

"Não se preocupe, minha senhora. Não tenho a menor intenção de me masturbar na sua frente."

"Não seria o primeiro."

Segurei o vômito ao pensar na cena, mas mantive a pose.

"Que seja. O que a senhora veio fazer aqui?"

"Vim dar banho na neném."

"Ai que bom. Estou doida pra aprender." A Rafa saltou da cama. Quando ela bateu com os pés no chão mirei direto pro chão esperando as tripas dela espalharem pelo quarto. Tomei um susto quando nada caiu. É... até que o médico costurou a priquita direitinho. Bom pra mim.

"E aonde está a banheira com água aquecida?" Perguntei à bruxa.

A desgraçada rodou a cara pra mim, apertou um pouco os olhos, relaxou, voltou para a Rafa e respondeu: "Mãe, não se preocupe, a água do hospital é levemente aquecida e eu darei banho na pia do banheiro mesmo. É bem simples." Pronto. Agora de "estrupador" virei um nada... oh rotina que é uma bosta!

A pseudo-enfermeira-gostosona foi até o bercinho da Camila. Com uma mão a segurou e com a outra descascou da bichinha o montueiro de panos numa velocidade esquisita.

"Epa! Calma lá! Ela é só uma neném. Tem que ter cuidado com o corpinho dela."

A fiu-fiu-do-inferno olhou pra mim de novo, apertou os olhos, virou pra Rafa e desembuchou: "Não se preocupe mãe. Os recém-nascidos são mais fortes que nós pensamos. Pode parecer que estou sendo rápida, mas tenho muita prática e jamais faria nada com seu tesourozinho." A Rafa riu como se enfermeira fosse sua mãe. Que porra era aquela?

Ela terminou de desembrulhar a Camilinha como se estivesse morta de fome e minha neném fosse um serenata super-ultra-blaster-master-gigante. Levou o pedacinho de carne enrugada pra pia (Ei! Não é porque é minha filha que tenho que largar a sinceridade na Conchinchina. Ela tava enrugada mesmo. Mas era a minha tchutchuquinha enrugada, que fique claro). O bizarro da jogada é que a miseravelzinha não deu um piu. Não chorou, não berrou, não soluçou, nem deu uma cagadinha na mão da pestilenta. Tomou o banho como quem toma chá das 5. Malditos ingleses esnobes!

Terminada a sessão de relaxamento nas águas termais, a monja foi novamente enrolada em uma toalha pela gostosinha-da-enfermaria. Parecia mais uma boneca de cera, a sem-vergonha.

"Dá ela pra mim. Quero segurar um pouco." A voyer me mirou de novo, apertou os olhos pestilentos, virou pra Rafa, esta devolveu um acenozinho de cabeça (maldita cúmplice) e a neném foi passada pros meus braços.

Deve ter demorado uns 3 décimos de segundo para infeliz começar a chorar. "Devo ter esquecido de tirar os espinhos da mão." Pensei.

Camila me foi tomada de novo pela enfermeira e todo mundo me olhou como se eu tivesse batido na menina. O segurança mãozudo balançava a cabeça devagarzinho de um lado pro outro. Que vontade de enfiar a mão na cara dele. Mas, como se eu tivesse tentado isso, provavelmente, ele teria arrancado a minha mão, comido e palitado os dentes com os ossos, preferi prestar atenção na minha filha. Sou um pai responsável, sabe?

"Pega o brinco Thiago."

"Hã?" Despertei do meu sono assassino com o segurança.

"O brinco."

"Ah tá." Zapiei no bolso da bermuda e achei a sacolinha com os dois brinquinhos de ouro da Camila. "Tão aqui." Cacete! Duas bolebinhas minúsculas e larguei 100 contos na loja. Bicho, esse negócio de ter filha mulher não ia prestar. O Felipe tá com 02 anos e meio e até agora eu só comprei pra ele uma guitarra, uma bola, um palhaço e um quebra-cabeça, tudo no 1,99. Juntando a bagaça toda, num deu nem 10 reaus e com essa menina eu já desemboquei mais do que gastaria com o Felipe em 07 anos. Merda!

Os brincos pularam para a mão gordurosa da enfermeira. Camila foi para a cama e ela se preparou para colocar os bichinhos no lugar devido. Assim eu esperava, pelo menos.

"Ah, vai colocar aqui mesmo? Que bom. E cadê a maquininha pra colocar os brincos? Vai ter uma anestesiazinha?" Eu parecia um moleque catarrento de 05 meses falando.

Vocês já sabem o que aconteceu, né? A enfermeira olhou pra mim e apertou os olhos, mas agora molhou os lábios com a língua. Que porra cara! Acho que vou sonhar com essa doente minha vida inteira. Acho que ela tava tentando me seduzir (sem sucesso, vou deixar claro!). Virou pra Rafa, apertou o botãozinho de trocar de personalidade e falou: "Mãe, pode ficar tranquila. Vou colocar o brinquinho com a mão mesmo. Não vai doer nada. A carne dela é muito molinha e ela nem vai chorar. Eu garanto. Nem sangue vai sair." A Rafa suspirou aliviada.

Credo! O que era aquilo? A masoquista podia falar pra Rafa que iria extrair a rótula dela com uma colher que minha patroa continuava com aquele sorriso abobado. Só eu estava lúcido na sala?

A enfermeira pegou o brinco e direcionou pra orelhinha linda da minha fihota.

"Mas nem que a vaca tussa, sua doida!" Tentei ir pra cima da enfermeira impedir essa mutilação nazista.

A enviada-do-saci nem precisou falar nada. Olhou para o segurança e a mão dele (que tem vida própria), voou pro meu pescoço.

Fiquei engasgando até a maldita terminar de colocar os brincos. O pior é que a Camila nem chorou, nem sangue saiu. Saco.

Depois que o segurança pediu três vezes com educação pra a própria mão largar o meu pescoço, ela obedeceu meio emburrada e eu fui para o chão. Fiquei tossindo e tentando cuspir a minha pleura, sem muito sucesso, até a gostosa-da-UTI sair do quarto.

"Credo Thiago! Que ignorância! Precisava tratar a moça daquele jeito?" A Rafa devia ter sido hipnotizada. Só pode.

Em vez de responder, preferi ficar tossinho. Tava até legal. Não tinha nada melhor pra fazer mesmo.

Enquanto isso, a porta abriu de novo, outra enfermeira entrou. Estava segurando uma bandeja de inox e uma folha branca cheia de quadradinhos.

"Mas que neném linda! Mamãe, vamos fazer o teste do pezinho nessa gostosura?" E sacou um agulha de uns 35cm de comprimento.

"Mas nem fudendo sua va.... gasp. curp. Rrooorrorc" A mão do segurança, que estava de bobis pelo quarto, voou de volta pro meu pescoço, mas agora não seria boazinha. Tava querendo sangue, a maldita.

"Olá senhor! Noto pelo seu olhar que o senhor está deverás irritado. Porém tenho certeza absoluta que isso não é outra coisa senão toda a preocupação de um pai dedicado que passou a noite em claro cuidado de sua filha. Seu amor por ela me emociona. O melhor remédio para essas situações é o sono. Creio que algumas horas de um gostoso sono profundo deixará sua mente muito mais relaxada e o seu coração mais leve. Deixe-me proporcionar para o senhor esse momento de tranquilidade." E xuxou de novo os dedos no meu pescoço. Eta mão grande! Parecia que os dedos iam dar a volta no pescoço e se encontrar de novo no gogó. Eu comecei a engasgar outra vez. Foi ficando de noite. Meus braços relaxaram e eu dormi.

Quando acordei, já estava em casa. Mais precisamente no chão, no meio da sala de estar. A Rafa me disse que eu fui trazido no porta-malas do nosso carro. O segurança veio dirigindo. Quando perguntei porque não me jogaram no banco de trás do carro ela arregalou os olhos como se tivesse tido uma porra de uma epifania. "Caramba! Nem pensei nisso! Nossa amor, desculpa. Estava tão preocupada com a neném".

Quando cheguei no banheiro (me arrastando) olhei para o espelho e vi as marcas roxas que a mão do segurança tinham largado. Mirei de perto... cacete! O caminho das veias dos dedos dele ficou marcado. Ainda bem que ele não tinha tatuagem ali, senão eu tava carimbado também.

Uma mandíbula quebrada e o pescoço fudido. Vou ter sorte se ficar vivo até o fim da semana.

quinta-feira, 13 de março de 2014

Diário - 03/04/2013 - O Parto

Quando entrei na sala nojentamente esterilizada, vi uma cena que lembrou (um pouco) "O Exorcista". A patroa estava deitada na mesa, com os mocotós docemente instalados sobre hastes metálicas para dar uma visão panorâmica pro doutor que, já a postos, estava acocorado de cara pro gol, só esperando o neném escapulir. E pelos gritos da Rafa, isso não ia demorar muito (se demorasse o neném já sairia surdo).

Também estavam na sala, duas enfermeiras e três estagiários de medicina, todo mundo atrás do médico olhando pra zona do agrião da minha mulher, como se estivessem vendo a final da Copa (isso me fez lembrar do Vasco. O bebê podia andar logo, pensei, dessa vez baixinho, só por precaução).

Os gritos me fizeram acordar novamente. Corri pra Rafa e segurei a mão dela. Ela agarrou a minha mão com tanta força que eu pensei que dedos quebrariam. Não sabia dizer se os dela ou os meus, mas alguns não sairiam vivos da experiência.

"Seu nome é Thiago, né?" Perguntou o médico.

"Sim senhor."

"Então você vai me ajudar. Tenta acalmar sua mulher e pede para ela respirar. Gritando desse jeito ela perde força e o neném não consegue sair. Já estamos quase lá, mas essa parte é a pior e preciso de toda a concentração dela aqui." Disse apontando pra a saída de emergência da Rafa.

Tá bom! É fácil falar, mas fazer deve ser um pouco mais complicado. Tenta fazer uma experiência você aí. Larga esse texto e concentra no seu órgão. Manda ele te obedecer. Você pode até pensar que manda aí, mas não. O palhaço e a priquita têm vida própria. Eles fazem o que querem, na hora que bem entendem. Naquela hora em especial, por exemplo, a da Rafa devia estar toda encabulada por ter tanta gente olhando. A Rafa bem que tentava, mas a danada não estava nem um pouco a fim de obedecer.

Tentei fazer a patroa atingir o nirvana e controlar a própria priquita dizendo aquilo que achei mais razoável:

"Calma, meu amor."

"Calma? Seu filho duma égua. Você quer que eu tenha calma? Você tem ideia do monstro que tá querendo sair dali? Quando isso acabar eu vou enfiar uma peti de 2 litros no seu rabo e pedir pra você jogar ele de volta pra fora. Quando você estiver chorando e pedindo pela porra da mamãezinha eu vou te dizer 'calma meu amor, é só uma garrafinha no seu toba'. AAAHHHHHHHH". Abençoada contração que fez ela parar com aquilo tudo. Olhei pra traz, quase me mijando de medo e vi que um estagiário tinha saído correndo, mas foi logo substituído por outro. Caralho! Parece que esses bichos brotam de tudo quanto é lado.

"Manda ela fazer força de cocô." Ordenou o médico.

"Hã?" Fiquei totalmente sem reação com o mandamento do zé ruela que já tinha se enfiado de novo no meio das pernas da minha senhora. De onde ele tava pensando que o neném ia sair?

"Vai logo rapaz! Eu acho que o neném tá vindo."

Eu parei de tentar discutir e, principalmente, entender o sentido da bagaça e de bate-pronto chapei o recadinho pra Rafa.

"O quê? Cê tá doido?" Berrou ela no meio de uma contração. Os litros de baba e suor que voaram da boca dela desenharam uma parábola linda na sala. A luz branca das 1.567 lâmpadas fluorescentes que queimavam nossos olhos penetrou nas gotículas e formou um belo arco-íris. Tudo isso seria maravilhoso, se a parábola não tivesse terminado na minha cara. Coisas da vida.

"Não discute com o moço, bem. Só tenta fazer cocô."

"Se eu tentar, vou conseguir. Não fiz hoje ainda."

"Não tem importância, querida." O doutorzinho emergiu novamente do meio da minha patroa e se apoiou no barrigão dela. "Aqui tá todo mundo acostumado com isso. Isso é normal demais. Acontece todo o dia. Faz forcinha pro titio, faz?" E com dois tapinhas na barriga dela, voltou a submergir.

Olhei pra trás e a cara de nojo dos estagiários deixava claro que isso não acontecia todo o dia.

Rafa, esbaforida, fez uma força que poderia quebrar uma árvore. Na falta de uma, servia os meus dedos mesmo. Provavelmente, juntos, gritamos a uns 160dB.

"Isso querida, está quase. Já posso ver a cabecinha. Ó os cabelinhos dele, que lindos." O médico sorria pra mim como se estivesse na Disney. Maldito sádico.

Não suportei a curiosidade, dei uma de Bial, e fui dar uma espiadinha. O doente do médico estava enrolando o cabelo do meu neném no dedo indicador direito, delicadamente protegido por uma luva latexzenta. A cabecinha já estava pelas metades. Achei o trem estranho, mas nem pude "admirar" muito, porque um bafo quente na minha orelha esquerda me fez olhar pra trás.

Virei rápido (afinal, ninguém funga no meu cangote sem permissão) e vi um estagiário macho e outros dois estagiários fêmeas com um sorriso drogado atravessando a cara espinhenta deles.

"Que foi porra?" Interpelei com educação. "Nunca viram não?"

"Nada tio." Disse a estagiária fêmea da direita. "Tipo, isso é raro pra caraca." Emendou a da esquerda. "Todo mundo entra na faca. As mina não querem correr o risco de ficar alargada no normal." Disse o projétil de macho, abrindo os braços enquanto cuspia a bobajada.

"Cê tá doido, animal. Ninguém vai ficar assim não." Retruquei com água nos olhos (estava com um cisco no olho, só pra esclarecer). "Né doutor?" Resmunguei entre os dentes para o médico.

"Ná!!! Relaxa. Depois que o neném sair, eu costuro tudo de volta."

Entendi isso como uma coisa boa... a gente tem que positivar a situação nessas horas.

"Aaaaaaahhhh" O urro me fez lembrar da patroa que, deitada, estava longe de tirar uma soneca ou ter vontade de parar de amaldiçoar minha alma.

"Força, minha filha, agora vai." O médico mostrava todas as canjicas num sorriso doentio. Parecia que ia receber um presente do papai noel. Já estava começando a pensar que o neném era dele, não meu.

A patroa fez força de coco em baixo, apertou meus dedos no meio e quase quebrou os dentes em cima e o neném saiu.

O choro engasgado encheu a sala e outro cisco caiu no meu olho. Maldita sala suja, vou fazer uma denúncia na ANS.

O doutor cepou a mangueira umbigal, a enfermeira secou o aguaceiro e uma gosma branca que eu insisti não saber o que era e passou a trouxinha de carne pra mim. Dei uma conferida no material e vi uma menina linda... inchada, roxa, disforme, chorando e com aquela gosma branca, mas linda.

"A Camila nasceu, meu amor". Disse enquanto me virava pra minha esposa. Antes, porém, de trasladar Camilinha pra Rafa, uma luz atrás de mim me puxou de volta.

A tranqueira do estagiário macho estava lá, risonho, acompanhado pelas estagiárias fêmeas fazendo um selfie na sala. Até aí tudo bem. Se o fundo da porra do selfie não fosse a priquita da patroa.

"Oh! Seus doentes, cêis tão querendo morrer? Vão tirar foto da mãe de vocês, aquela quenga." Eu com a Camilinha na mão fui pra cima do moleques. "Tio, relaxa! Eu só vou postar no face pro pessoal manjar o parto."

"O quê? Postar a foto da minha mulher nessa situação? Eu vou fazer você tirar um selfie do seu intestino, seu merda!"

"Sem violência, tio." Interpelou uma das estagiárias fêmeas. "Ele vai postar num grupo nosso de medicina. Só profissa."

"Ah! E quantos membros tem esse grupo?"

"Uns 940."

"O quê? Puta merda! E desses, quantos são formados?"

"Acho que 8."

"8?"

"Caralho, véi. Pronto. Agora a Rafa vai ser mais conhecida que a tiazinha?"

"Quem?" Perguntou o estagiário macho.

"Cala a boca, não é do seu tempo. Cada uma que me apar... caralho!!!!!"

Quase caí pra trás quando voltei pra patroa. O doutor estava limpando a Rafa por dentro. Não tem como explicar direito o que eu vi, mas pensa numa galinha sendo recheada... pensou? Ótimo! Agora volta a fita. Pronto! Agora você já sabe o que o doutor estava fazendo.

"Oh doido! O que você tá fazendo?"

"Me dá minha filha." A Rafa já estava maluca, ainda não tinha visto a neném.

"Calma rapaz. Isso é normal. Eu preciso tirar os resíduos internos para não haver infecção."

"Mas não tem um aparelho? Tem que ser na mão?"

"Minha filha!!!! Me dá!"

"Tem que enfiar a mão inteira?"

"Calma que eu costuro depois."

"Minha filha!"

"Mas que porra é essa?" O médico enfiou a mão nos miúdos delgados da Rafa e puxou um troço que parecia uma água-viva-do-capeta lá dos confins das entranhas dela.

A mesa da Rafa rodou. A sala rodou. Eu rodei e só parei quando o chão acomodou-se nas minhas costas.

Tudo ficou preto e acordei no quarto, ao lado da cama onde a Rafa estava dormindo como um anjo ao lado da Camila. Meu queixo doía como se tivesse uma faca cravada nele. Depois me contaram que despenquei no chão e minha adorável esposa (e mãe dedicada), preocupada com a cria, pulou pelada da mesa e tentou tirar Camilinha dos meus braços. Como não soltei, ela pisou na minha cabeça até os braços afrouxarem. A mandíbula quebrou na pisação. Coisas da vida.

Pousei 5 quilos de gelo na bochecha na tentativa de sumir com a queimação dos demônios e me aprocheguei da cama. Tentei parar de gemer um pouco para não acordar minha mulherzinha (evitando uns murros nos meus córneos surrados). Como a dona patroa tava despencada no 8º sono, pude mirar um pouco a minha miúda. Sua cara ainda tava inchada, mas a gosma branca tinha escapulido. Do jeito que a Rafa é, nem duvido que ela tenha lambido a menina até ficar "limpinha".

Whatever, a danada é bonita pacas! Desmaiada e enrolada num monte de panos ela parecia ser ainda mais quebradiça... e a única coisa que conseguia pensar naquela hora era que nada a quebraria. Pelo menos eu não ia deixar.

quinta-feira, 6 de março de 2014

Diário - Dia 03/04/2013 - Gritos

Dou uma encarada no meu relógio e nem acredito que o puto tá me dizendo que são 05 da matina. A night foi uma sandice, meu queixo tá trincado e minha mulher apagou faz um par de horas com a neném agarrada nos peitos. Mas tô correndo com a história e nesse pé o troço vai ficar sem sentido logo logo, então é melhor sentar o dedo no rewind pra coisa entrar nos eixos.

No início, tudo foi gritos. Os meus eram de alegria, os da minha sogra para minha esposa eram de reprovação (ela queria que minha patroa se aprontasse logo pra gente escorregar pra maternidade) e da Rafa pra mim eram puro veneno (ela estava com dor e eu estava feliz, isso era suficiente para o ódio nascer gostoso no coração da bichinha).

O quiproquó tava até divertido (pra mim, lógico). As contrações da Rafa estavam desembestadas: começaram a cada 10 minutos e em menos de 05 já estavam em 03 (faça as contas! A impossibilidade matemática vai dar a noção da porra-loca que estava o negócio). Eu, apesar de branco como uma tapioca de leite condensado, estava dando uma de chimpanzé, pulando e rodando pela sala (até dei uma escorregada no líquido aminiótico da Rafa, mas a pança de breja ajudou a aumentar o ponto de equilíbrio e não despenquei), minha sogra estava doida com a patroa, porque ela não tinha deixado tudo nos esquemas para a boa hora. Estavam as duas berrando em uníssono coisas desconexas e distintas enquanto despejavam um punhado de panos nas bolsas. Do jeito que elas gritavam, nem sabiam direito o que faziam, podiam jogar na bolsa um monte de lenços assoados que nem perceberiam. Era pano? Ia pra bolsa. O pensamento era esse.

Minha esposa não me matou porque a barriga e a neném não deixaram. Ela estava roxa de dor e eu só sabia rir. Eu dou gargalhadas quando estou nervoso e disse isso pra ela, só que era mentira! Eu tava nervoso nada, eu era a felicidade pura. A dor da Rafa ia passar e ela nem ia lembrar daquilo. Essa era a torcida.

O circuito até o hospital foi normal. Eu costurava todo mundo em zigue-zague e a Rafa berrava como louca. Os motivos mudavam um pouco, mas a cena era a mesma de todo dia. Oh cotidiano que é uma bosta!

Depois de quase passar por cima do rabo de um cachorro, raspar em uma velha e jogar um fusqueti pro lado, chegamos no hospital. Ainda eram 10 e 15 da night e o jogo do vascão estava só no começo. Pensei: "Pô! Se o doutor for rápido de puxada, ainda pego o segundo tempo." Uma cotovelada da Rafa entre 5ª e 6ª costelas me fez lembrar de que preciso pensar mais baixo.

"Ah! Meu Deus do céu! Que dor! Tira isso de mim!" Movidos pelos berros da patroa, chegamos até o balcão da urgência. O moleque que tava atrás da estrutura cimentológica, pensou um pouco se estava vivo e após confirmação relutante dos córneos cinzentos respondeu:

"Boa noite! Qual é a emergência?"

"Pois não." Falei bem calmo. "Minha mulher está gritando de fome e eu queria um X-salada pra ela e um X-total pra mim. E me vê aquela maionese caseira massa que vocês fazem."

"Perdão senhor?"

"Eu vou foder a tua família até a quarta geração se você não abrir a porra da porta logo, seu filho de uma puta encardida!" Deus! E eu ainda me pergunto por quê eu amo essa mulher. Vai ser educada assim na casa do car$%&#a*&lho.

O poder do xingamento é mágico. Tem uma força transformadora que livro de autoajuda nunca vai sonhar em ter. Praticamente ressuscitou o defunto sentado no balcão e fez o bichinho correr como louco atrás da equipe médica inteira. Em dois minutos estavam todos prontos (e tremendo) para atender meu anjinho.

Me pediram para aguardar um pouco numa saleta miúda onde os médicos colocam aquelas roupas folgadonas e coloridas. Brega pra burro, mas no "Plantão médico" o George Clooney usava um igualzinho, então esse negócio devia servir para alguma coisa, nem que fosse para ficar parecido com o galã e abafar com as gatas. Isso me fez pensar: será que as enfermeiras também se trocavam naquela sala?

Um berro da Rafa entrou pela orelha esquerda e fez o pensamento doente escorrer pela direita, calminho, quase pedindo desculpas por ter invadido da minha cachola.

Devo ter ficado uns 15 minutos na sala quando veio uma enfermeira correndo desembestada para me chamar. A Rafa estava berrando por mim.

(CONTINUA)

 

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

DICA: 1º Dia de Aula

Aproveitando o início do ano letivo, resolvi expor para todos a minha experiência neste período difícil em que deixamos nossos filhos aos cuidados da escola. Um novo mundo, uma nova realidade, todo um universo de informações novas pode ser muito traumático para todos, filhos e pais.

Só existe uma forma correta para entregar os filhos na escola. Os pais devem ser firmes e, em momento algum, deixar transparecer qualquer sentimento negativo, a denotar sua tristeza pela separação (temporária) dos filhos. Assim, no primeiro dia de aula, os pais precisam verificar quem está mais emocionalmente preparado para a tarefa, pois, de maneira alguma, devem chorar ou aparentar tristeza ao soltar os filhos para os braços dos professores. No trajeto para a escola brinque, ria, faça cócegas em seus filhos, tudo para deixar esse momento mais alegre, fazendo o pequeno perceber que está indo para um local lúdico, feliz.

Ao chegar na escola, é primordial agir de uma maneira mecânica. Aqui funciona a linha de produção: você chega, visualiza a primeira professora já na entrada, prepara o filho no colo, aproxima-se da profissional, entrega a criança, vira-se e vai embora. Pronto, simples, rápido e indolor (permite-se somente um beijinho leve no momento da entrega, se possível sem tocar o rosto da criança. Dizer "papai ou mamãe te ama" é terminantemente proibido).

Pode parecer um pouco seco e sem afeto, mas acredite, isso será o melhor para o seu filho. Mostrar muitas emoções neste momento pode fazer com que ele desista da escola e a repetição deste momento traumático acarretará graves prejuízos psicológicos ao seu rebento, os quais podem perdurar até a fase adulta.

Faço essas pequenas explicações por experiência própria. Hoje cedo segui exatamente essas dicas. Deixei meu neném na escola com a primeira professora que vi, não dei tchau, nem disse "eu te amo", voltei para casa e agora estou aqui, tranquilo por ter feito o meu trabalho. Neste instante posso aproveitar, com calma a satisfação de uma missão bem feita, sentado na minha mesa de trabalho, escrevendo este texto, perto da revistinha do Ben 10 do meu neném, ao som de "Bebê Mais". Aliás, este é o único som da casa, que agora está quieta, sem vida, sem alegria e sem amor. Estou trancafiado numa casa desesperadamente quieta e o meu neném, alegria do meu existir, deve estar lá na escola, cheio de coisas e pessoas perigosas, com professores mal encarados, cansados de cuidar de tantas crianças catarrentas. Nem vão perceber se ele estiver com sede, ou com fome, ou cagado. Fora, os moleques malditos! Deve ter um monte de meninos grandes e fortes, mal amados pelos pais, que só estão esperando a primeira oportunidade para bater e humilhar o primeiro menininho bonito que virem pela frente. E meu neném é tão bonito! Vão bater nele! E eu não dei tchau para ele! Ele deve pensar que eu não gosto mais dele, que sou um pai ausente, sem amor! Meu Deus! Isso pode gerar graves prejuízos psicológicos pra vida toda. Ele vai crescer desajustado, vai usar crack, viver na sarjeta... e tudo culpa minha...

CHEGA!!!! Eu vou agora resgatar meu príncipe desse inferno, meu tchutchuquinho. Espera, meu amor! Papai está chegando...

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Diário - Dia 03/04/2013 - Um início

Nem sei direito por onde começo esse negócio, mas é o seguinte: precisei ir no médico de cabeça antes que minha esposa me mandasse para o inferno com uma faca tochada no forevis. Eu tava com a cabeça pra explodir, meu chefe enchendo o saco, minha mulher grávida do nosso segundo filho(a) e meu menino, Thiago, pensando que eu era o Arnoldo Swarza, pedindo para eu o jogar pra cima o dia todo.

O doutor falou alguma coisa sobre estafa absoluta que tava pra me deixar doido. Isso eu sabia, só não sabia que precisava pagar 200 contos pra o cara me falar o óbvio. Mas aí o doido disse que era pra eu escrever um diário (ele tinha cara de fresco e pensou que eu era a Sailor Moon chapada) contando tudo o que acontecia comigo, onde ia, o que fazia, o que comia e o que cagava... acho que essa parte ele não disse, mas vocês pegaram o espírito da coisa, né?

Depois de parar de rir da cara dele e me passar por imbecil na frente do psicodoido, o dito cujo disse de novo que a coisa era séria e que eu devia escrever as caraminholas da cabeça. Ele nem queria ler a bobajada que saísse, ele só tava querendo que eu metesse o dedo no teclado e vomitasse na tela os bregueços que voasse na minha pasta cinzenta.

Como eu tô no começo da baguaça e ainda não peguei o jeito dos paranauê, é melhor eu apresentar a trupe: eu sou Thiago e sou casado com a Rafaela. Temos um remelento chamado Felipe que está com 02 anos. Na barriga da Rafa tá maturando mais um filho(a) há quase nove meses. Como a gente não tinha mais nada o que inventar, pensamos e não saber o sexo do projétil de gente. Ideia ótima! Passamos meses respondendo pra todo mundo, com cara de tacho, que a gente preferia não saber o que ia sair lá de dentro.

Eu inventei essa besteira, mas como um maridinho gente boa e simpático, joguei a responsa pra patroa. Ela me ama pra burro e aceitou numa nice a mulice e nem fez birra pelo jogo de empurra. Coitada, ouviu minha mãe azucrinando esse tempão... se ainda fosse pra um motivo justo, vá lá, mas é só pra arrumar desculpa pra entuchar o moleque(a) de bugiganga que ele nunca vai usar. Nossa! Se for menina dou 02 dias pra minha mãe transformar a bichinha em miniatura de cigana, de tanto cordão, pulseira, brinco e outros apetrechos metálicos. Carai, acho que vou perder a guarda dela se isso acontecer.

Agora já são 9 da night e minha senhora está peidando há pelo menos 3. Putz! Eu não lembrava que grávida peidava tanto, nem lembrava disso ter acontecido na época do Felipe. Aquela pança deve ser 28,34% de neném e o resto é vento... vento e gás tóxico. Estou chorando há um tempão, enquanto minha sogra gente boa está rachando o bico por conta dos flaps da Rafa. Eita velha porreta! Não posso reclamar da anciã não. Se todo mundo tivesse uma sogra separada que te defendesse de tudo e ainda dividisse o copo de breja no fim de semana, o mundo seria um lugar melhor pra viver.

Carai! Deixa eu parar essa merda por aqui. A Rafa tá gritando. A bolsa tá vazando e minha sogra tomou um tombão no meio da sala, na poça aminiótica formada. Tá vindo mais um catarrento(a) pro mundo. Fui!

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

As Cores dos Brinquedos

Prosseguindo em nossas dicas para pais desesperados, é importante tratar do momento da brincadeira do seu pimpolho.

Após muito observar o dia a dia das crianças e avaliar os gostos dos pequenos, cheguei à conclusão de que os brinquedos atuais desenvolvidos para os recém nascidos possuem erros crassos, os quais reduzem demais o interesse deles pelos brinquedos.

Considerando os diversos problemas detectados, concentrar-me-ei hoje apenas nas cores dos brinquedos ofertados aos pequenos.

Tenho a mais absoluta certeza que as cores empregadas atualmente, baseadas em tons primários e com grande intensidade, não são adequadas por ser desinteressante para as crianças em tenra idade.

Faça o seguinte teste em casa: espalhe aleatoriamente na sala todos os brinquedos de seu filho e no meio desses, inclua alguns objetos estranhos, tipo: extrato bancário, caixas de sapato feitas de papelão e sandálias. Sem qualquer dúvida seu filho imediatamente pegará esses objetos estranhos e os colocará na boca.

Entretanto, ele não faz isso de maneira proposital, para estragar o seu dia engolindo seu extrato bancário ou contraindo algum verme ao lamber a sola da sandália. Sua jóia rara leva esses objetos à boca por dois motivos básicos: devido à cor e, principalmente, porque o aspecto destes objetos os remete aos próprios fluidos corporais.

Você quer fazer uma criança verdadeiramente feliz? Pois então a deixe brincar com os próprios excrementos. Nada proporcionará maior sensação de contentamento para seu rebento.

Nenhuma criança faz isso porque é porca ou porque foi acometida de demência temporária. A ação dos pequenos, neste ponto, remonta ao passado antigo, quando os homens moravam nas cavernas. Naquela época as crianças eram obrigadas a brincar com o próprio xixi e coco, pois o chão das cavernas era composto de terra batida ou pedra (impedindo as brincadeiras) e o lado externo delas era impossível de permanecer, sob o risco de ser devorada por um animal selvagem. Assim, os excrementos tiveram importante papel na evolução, pois constituíam um brinquedo seguro e educativo, já que o coco poderia ser moldado, auxiliando na coordenação motora.

Isso permanece na genética das crianças até hoje. Então, porque eles procuram os objetos que citei anteriormente? Pois o cérebro deles, ainda em formação, remonta, de alguma maneira, aos próprios excrementos, seja no papel amarelo de um extrato bancário, seja na consistência de uma caixa de papelão (após ser devidamente babada) ou ainda no odor da sola de uma sandália.

Desta maneira, proponho uma mudança radical nos brinquedos atuais, as cores destes devem ser vibrantes, mas precisam possuir tons mais amenos, como um amarelo-esverdeado ou marrom. Abre-se uma excessão para os brinquedos brancos ou transparentes, pois estes se assemelham à coriza das crianças no início de um resfriado, iguaria muito apreciada por elas.

É importante mencionar que essas medidas podem salvar vidas de incontáveis crianças, que deixarão de ingerir objetos contaminados para colocar na boca brinquedos seguros, previamente limpos pelos pais.

Abaixo seguem exemplos de brinquedos adequados para o bem estar de seu filho. Siga essa dica, você estará contribuindo sobremaneira para a felicidade do seu anjinho.

 

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Números

Nunca fui muito fã de numerologia, mas não posso negar que os números sempre me perseguiram por toda a vida.

Nasci da 3ª tentativa do meu pai pegar minha mãe em uma noite regada a 3 garrafas de vinho. Considerando que o álcool reduz em 40% a capacidade erétil de um homem, a 3ª tentativa até que é uma média razoável.

Depois de uma briga desgraçada com meus irmãos, fui o 1º a chegar ao óvulo e pude ver, de camarote, a agonizada coletiva do pessoal atrasadinho. Isso pode não ser lá muito simpático, mas, convenhamos, antes eles do que eu.

Passados 8 meses, após horas de choro, desespero e pragas rogadas em meu pai, minha mãe pode se tranquilizar um pouco, seu filho (eu) nascera. Era um dia 8, do mês 8 de 1978. Não podia ser coincidência. Tudo mundo dizia para minha mãe que isso era um sinal de sorte.

Curioso, quando tinha 6 anos, perguntei a um pipoqueiro de olho puxado, o que os chineses diziam sobre o número 8. Ele disse que era sul coreano. Eu respondi que dava na mesa, afinal, era tudo japa. Acho que ele não gostou muito, pois disse que tanto 8 junto significava que a pessoa seria viado e daria a bunda eternamente.

Não gostei da notícia e fui chorando contar para a mamãe. Dizia aos berros que a bunda era minha e não a daria para ninguém. Mamãe não gostou... nem a polícia... nem o juiz... nem o diretor da penitenciária... nem os coleguinhas de cela do pipoqueiro... quer dizer... esses aí gostaram.

Em todo caso, o pipoqueiro pegou 9 anos, passou 2 na prisão e depois de mais 3 mudou de nome e hoje faz 4 shows por semana em uma boate gay. Era bastante feliz e me mandava flores de vez em quando. Só esperou eu fazer 18 para isso. Não custava nada se precaver.

Na escola não era 10, tampouco 0, ficava feliz com o meu 9, mais que suficiente para passar e não ser massacrado pelo povo do fundão que odiava CDF.

O problema que esse pessoal também não gostava daqueles que eram 4 olhos ou que tinham a cintura pra lá dos 80. Como eu tinha os 2, sofri um bocado dos meus 10 até os 18.

O fato de ser branco, usar óculos e ser gordo trazia outro problema além dos hematomas: passei zerado com as mulheres até a fase adulta. Não era fácil para elas ficar como um 0 à esquerda como eu. Elas até me achavam gente boa, mas na hora do vamos ver a partida empatava em 0 mesmo; não valia a pena perder pontos com o grupo por qualquer bobeira.

50 foi o número da minha classificação no vestibular. Não era bom, mas eu passei e era o que contava. Fiz direito, apesar do meu pai desejar engenharia, queira fugir dos números e ser alguém. Descobri que no Direito tudo era número de artigo de Lei ou de julgado em tribunal. Ótimo!

A tática na faculdade era passar despercebido. Não queria ser um ponto de referência como no colegial (o gordo, branco de 4 olhos). Então fiquei exatamente no meio da sala, 03 filas à direita, 04 filas à esquerda, 04 carteiras afastado do professor. Nunca perguntava e se o professor me dirigisse a palavra apenas balançava a cabeça negativamente, mesmo se perguntasse o meu nome. Fácil! Por um bom tempo não era notado por ninguém mesmo, o que era ótimo, mas quase ninguém conversava comigo também, o que era uma bosta. Era tão invisível que me tornei a 40ª escolha de qualquer grupo de estudo. Em uma sala de 45 pessoas isso nunca é bom sinal. Um dia pensei em ir para a faculdade pelado; parei na frente do espelho e chorei por 30 minutos. Imaginei todo o trauma que causaria às pessoas e estabeleci que aquela não era uma boa ideia.

Mudei.

Tornei-me moderadamente participativo, sendo 3 o número de intervenções que fazia por dia, avancei uma carteira para frente e uma fila à esquerda. Isso fez toda a diferença, pois me tornei um quase-CDF. Não era caçoado pelos outros, mas era considerado suficientemente inteligente para que as meninas me pedissem o caderno emprestado. 5 foram as "gatinhas" que peguei até o final da faculdade. Pelas aspas aí atrás você já imagina o naipe das gatas, né? Mas, fazer o quê? Quem está na chuva é pra se queimar e do jeito que eu estava, qualquer coisa servia.

Encerrada a faculdade, meu pai começou a perguntar quando eu viraria homem e arranjaria um emprego. Primeiro perguntava isso uma vez por semana, depois de 2 meses já o fazia 4 vezes ao dia. Ou eu resolvia a questão ou matava ele. Como o 5º mandamento sempre foi importante para mim, resolvi que precisava de um emprego. Já estava estudando 6 horas por dia para passar num concurso; graças ao "incentivo" de papai aumentei para 9. Fiquei doido. 4 eram os remédios que tomava para controlar a ansiedade, depressão e as espinhas que surgiram do tratamento dos 2 primeiros.

Mas, pelo menos, depois de 7 meses passei para um cargo bacana do Judiciário. Fui trabalhar em uma cidade vizinha de casa e pensei que tudo estava resolvido. Teria estabilidade e poderia ver a vida passar devagar por entre os dedos.

Aí a vida mostrou o dedo médio para mim e me mandou tomar vergonha na cara. Para minha sorte, 2 meses depois de entrar o Judiciário decidiu que meta era a palavra mais linda do dicionário, depois de dinheiro e férias.

Tudo passou a ser verificado por números, especialmente a produtividade de cada um. Era imprescindível atingir determinado patamar de análise dos processos, despachos minutados, pessoas atendidas, folhas de papel gastos para limpar a bunda depois de fazer o 2. Resolveram empregar um desses ISO's 9000 que uns japoneses cheios de saquê inventaram para infernizar a vida dos outros.

Meu chefe adorou... sério! Quando chegava uma nova lista de parâmetros a serem seguidos por todos, com metas, estatísticas e tabelas comparativas entre os setores, pensava que ele ia gozar naquilo tudo. Por isso, sempre era o 4º ou 5º a pegar as metas; não queria correr o risco de ter as folhinhas grudadas comigo.

Quase entrei em parafuso. Resolvi procurar um psiquiatra e na sala de espera encontrei minha esposa. Não pensamos muito. Calculamos algumas coisas, dividimos as despesas, multiplicamos os benefícios e em 4 meses casamos. Com 4 meses e 2 dias ela engravidou.

Minha filha foi minha alegria por 2 anos. Aí a esposa decidiu que não estava mais contente morando comigo. Perguntei por quê e ela respondeu que odiava corno. Questionei como isso se aplicava ao caso... 2 segundos depois eu entendi. Deixei que ela fosse. O problema que minha menina foi junto. Sumiram 3 semanas depois para o Havaí, onde a ex-patroa iria morar com um professor de mergulho, com o qual ela já namorava há 1 ano e meio. Minha neném virou apenas um número, a pensão que enviava mensalmente.

Resolvi me enfurnar no serviço e tentar esquecer os problemas. Criei outro. A cada dia era reduzido a um numeral menor. Por mais que trabalhasse, as estatísticas nunca eram boas o suficiente, sempre tinha um filho da puta de um lugar perdido no Brasil que trabalhava mais que eu, e como o segundo lugar é o primeiro perdedor, as coisas nunca estavam 100%.

Cortei pela metade o tempo livre, aumentei em 2 horas o tempo de trabalho e consegui elevar os números: 20 por 13. O médico falou que isso não era legal e eu ia encontrar Deus antes do que pensava. Se eu não fizesse algum tipo de atividade física, provavelmente, morreria em 10 anos, no máximo.

Fiquei terrivelmente assustado, mas não perdi 1 segundo sequer. Saí do consultório, passei em uma loja de materiais esportivos, comprei todo o equipamento para uma corrida confortável: tênis, bermuda e camiseta. No mesmo dia comecei a correr. Como teria, no máximo 10 anos de vida, resolvi começar correndo a 10km/h. Tive um enfarto nos primeiros 200 metros. Não deu nem 3 minutos, já tinha batido as botas. Maldita vida saudável, me fez perder 10 anos!

Não posso reclamar da minha vida. Não foi lá grandes coisas, mas também não foi de todo ruim. Fui o que fiz e fiz algumas coisas, boas e ruins. Eu queria ter sido reconhecido, mas, convenhamos, quem é? Se quer saber quem eu sou, explico: sou o corredor 3, fila 17, grupo 7, lápide 138, onde está escrito com carinho:

 

107119 0116 1103 104050490305, 07115 12912511 6117904405 40509 0411035080509, 03109 06109090511 100541 1 51490910504391 09504405 1103 4502509. 6059 0905 5091011090910931, 3050305 07111095 1011405 04509091 12941.