quinta-feira, 6 de março de 2014

Diário - Dia 03/04/2013 - Gritos

Dou uma encarada no meu relógio e nem acredito que o puto tá me dizendo que são 05 da matina. A night foi uma sandice, meu queixo tá trincado e minha mulher apagou faz um par de horas com a neném agarrada nos peitos. Mas tô correndo com a história e nesse pé o troço vai ficar sem sentido logo logo, então é melhor sentar o dedo no rewind pra coisa entrar nos eixos.

No início, tudo foi gritos. Os meus eram de alegria, os da minha sogra para minha esposa eram de reprovação (ela queria que minha patroa se aprontasse logo pra gente escorregar pra maternidade) e da Rafa pra mim eram puro veneno (ela estava com dor e eu estava feliz, isso era suficiente para o ódio nascer gostoso no coração da bichinha).

O quiproquó tava até divertido (pra mim, lógico). As contrações da Rafa estavam desembestadas: começaram a cada 10 minutos e em menos de 05 já estavam em 03 (faça as contas! A impossibilidade matemática vai dar a noção da porra-loca que estava o negócio). Eu, apesar de branco como uma tapioca de leite condensado, estava dando uma de chimpanzé, pulando e rodando pela sala (até dei uma escorregada no líquido aminiótico da Rafa, mas a pança de breja ajudou a aumentar o ponto de equilíbrio e não despenquei), minha sogra estava doida com a patroa, porque ela não tinha deixado tudo nos esquemas para a boa hora. Estavam as duas berrando em uníssono coisas desconexas e distintas enquanto despejavam um punhado de panos nas bolsas. Do jeito que elas gritavam, nem sabiam direito o que faziam, podiam jogar na bolsa um monte de lenços assoados que nem perceberiam. Era pano? Ia pra bolsa. O pensamento era esse.

Minha esposa não me matou porque a barriga e a neném não deixaram. Ela estava roxa de dor e eu só sabia rir. Eu dou gargalhadas quando estou nervoso e disse isso pra ela, só que era mentira! Eu tava nervoso nada, eu era a felicidade pura. A dor da Rafa ia passar e ela nem ia lembrar daquilo. Essa era a torcida.

O circuito até o hospital foi normal. Eu costurava todo mundo em zigue-zague e a Rafa berrava como louca. Os motivos mudavam um pouco, mas a cena era a mesma de todo dia. Oh cotidiano que é uma bosta!

Depois de quase passar por cima do rabo de um cachorro, raspar em uma velha e jogar um fusqueti pro lado, chegamos no hospital. Ainda eram 10 e 15 da night e o jogo do vascão estava só no começo. Pensei: "Pô! Se o doutor for rápido de puxada, ainda pego o segundo tempo." Uma cotovelada da Rafa entre 5ª e 6ª costelas me fez lembrar de que preciso pensar mais baixo.

"Ah! Meu Deus do céu! Que dor! Tira isso de mim!" Movidos pelos berros da patroa, chegamos até o balcão da urgência. O moleque que tava atrás da estrutura cimentológica, pensou um pouco se estava vivo e após confirmação relutante dos córneos cinzentos respondeu:

"Boa noite! Qual é a emergência?"

"Pois não." Falei bem calmo. "Minha mulher está gritando de fome e eu queria um X-salada pra ela e um X-total pra mim. E me vê aquela maionese caseira massa que vocês fazem."

"Perdão senhor?"

"Eu vou foder a tua família até a quarta geração se você não abrir a porra da porta logo, seu filho de uma puta encardida!" Deus! E eu ainda me pergunto por quê eu amo essa mulher. Vai ser educada assim na casa do car$%&#a*&lho.

O poder do xingamento é mágico. Tem uma força transformadora que livro de autoajuda nunca vai sonhar em ter. Praticamente ressuscitou o defunto sentado no balcão e fez o bichinho correr como louco atrás da equipe médica inteira. Em dois minutos estavam todos prontos (e tremendo) para atender meu anjinho.

Me pediram para aguardar um pouco numa saleta miúda onde os médicos colocam aquelas roupas folgadonas e coloridas. Brega pra burro, mas no "Plantão médico" o George Clooney usava um igualzinho, então esse negócio devia servir para alguma coisa, nem que fosse para ficar parecido com o galã e abafar com as gatas. Isso me fez pensar: será que as enfermeiras também se trocavam naquela sala?

Um berro da Rafa entrou pela orelha esquerda e fez o pensamento doente escorrer pela direita, calminho, quase pedindo desculpas por ter invadido da minha cachola.

Devo ter ficado uns 15 minutos na sala quando veio uma enfermeira correndo desembestada para me chamar. A Rafa estava berrando por mim.

(CONTINUA)

 

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